Rede de Proteção

Claro está, portanto, que antes de se falar em “aplicação de medidas”, ou ficar na dependência destas (ou do Poder Judiciário) para agir, cabe ao Poder Público, por meio da implementação de políticas públicas intersetoriais específicas, criar as condições (técnicas e “estruturais”) necessárias – e indispensáveis – para o atendimento especializado e qualificado dos casos de ameaça/violação de direitos infanto-juvenis que surgirem, independentemente do meio (ou da forma) como estes chegam ao seu conhecimento. A Rede de Proteção envolve a ação de várias instituições/áreas governamentais ou não, que visam atuar em questões sociais de extrema complexidade, definindo estratégias para a prevenção, atendimento e fomento de políticas públicas para crianças e adolescentes em situação de risco. A falta de informação e o medo de estar sozinha estão entre as principais barreiras para que as mulheres vítimas de violência não busquem ajuda. Para falar sobre os serviços disponíveis às vítimas, como funcionam e a importância da rede de atenção, a feminista, mestra em ciências jurídicas, pesquisadora Térlucia Silva conversou com o Departamento Nacional do Sesc e com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Térlucia é também ativista em organizações de mulheres negras da Paraíba e atua em um serviço público de atendimento a mulheres em situação de violência.

De modo a garantir sua eficácia [nota 21] (e até mesmo sua legitimidade), tais abordagens e intervenções devem ocorrer no âmbito de uma política pública especificamente destinada ao atendimento de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias [nota 22], que seja democraticamente elaborada no âmbito dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente [nota 23] e compreenda a já mencionada multiplicidade de ações, por todos os órgãos e entidades corresponsáveis. Em qualquer caso, é fundamental que a “rede de proteção” disponha de “autonomia” para tomada das providências a seu cargo, efetuando as intervenções devidas com o máximo de presteza, diante da simples notícia das mais diversas situações de ameaça ou violação de direitos infantojuvenis, inclusive quando eventualmente praticadas (ainda que involuntariamente) por outros integrantes do Sistema de Garantia. Assim sendo, cabe ao Poder Público, notadamente em âmbito municipal17, organizar e preparar seus programas e serviços, qualificar seus agentes, definir papéis, instituir fluxos e protocolos de atendimento para fazer frente aos problemas que afligem suas crianças e adolescentes (assim como suas respectivas famílias) de imediato, na medida em que surgirem, intervindo com o máximo de presteza e profissionalismo na apuração de suas causas e em sua efetiva solução, sem prejuízo da realização de ações de cunho preventivo, no contexto mais amplo da supramencionada política de atendimento. A rede é composta por um conjunto amplo de órgãos, organizações da sociedade civil, equipamentos públicos e rede sociofamiliar. Partindo da compreensão de que a violência que atinge as mulheres, sobretudo, nas relações afetivas e familiares, é um problema multifacetado e, que para o seu enfrentamento, é necessário o funcionamento da rede em suas diferentes dimensões. Precisamos considerar, inicialmente, a importância rede sociofamiliar, que é composta por familiares e pessoas amigas da mulher.

Fernanda Maria Araújo Ribeiro, UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO

Quanto à adoção, a pesquisa destaca a importância do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e a necessidade de mantê-lo sempre atualizado e integrado. Temos muitas crianças expostas à violência e à pobreza, que precisam de um acolhimento maior, uma rede de proteção mais ampla”, disse Olívia Pessoa. A pesquisadora destacou que os dados mostram a vulnerabilidade da família, mas também traz luz à ausência do Estado, que não proporciona o suporte social que deveria. Que na verdade irá se ramificar em “políticas” diversas, destinadas a atender situações específicas, como a política destinada à efetivação do direito à convivência familiar, a política de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, a política socioeducativa etc. Como visto acima, é dever do Poder Público promover a efetivação dos direitos de todas as crianças e adolescentes, e isto significa ir além do simples “atendimento” (burocrático) dos casos que surgirem, pois denota que as intervenções estatais devem estar “comprometidas com o resultado”, ou seja, com a “proteção integral” infanto-juvenil [nota 20] na mais pura e abrangente acepção da palavra.

Tipos de rede de proteção: Polietileno ou Poliamida?

Quem compoe a Rede de Proteção?

Como limitação do estudo, pode-se considerar a inclusão de apenas representantes do eixo da defesa do Sistema de Garantia de Direitos. Estudos que incluíssem os eixos da promoção e controle poderiam contribuir para ampliar a compreensão da rede de proteção e de seu funcionamento. Considerando as especificidades de cada eixo e os diferentes profissionais que os integram, a inclusão de outros atores como participantes, sem dúvida ampliaria as possibilidades de melhor compreender o fenômeno aqui estudado. Com este estudo, entende-se que a discussão que envolve problemática da violência contra a criança e o adolescente e o Sistema de Garantia de Direitos não se esgota, identificando-se a necessidade de outras pesquisas que versam sobre as vivências e percepções de profissionais que atuam no atendimento à criança e ao adolescente em situação de violência.

A possibilidade da prática de redes permite “repensar formas instituídas de atuação e buscar formas instituintes, que rompam com as práticas tradicionais, como a busca ativa, a transversalidade de saberes, a articulação com movimentos sociais” (Grossi, Perdersen, Vincensi, & Almeida, 2012, p. 274). O estudo permitiu uma discussão sobre a rede de proteção de crianças e adolescentes a partir dos profissionais que integram o eixo de defesa do Sistema de Garantia de Direitos. Possibilitou, a partir da descrição e reflexão do percurso histórico da constituição Rede de Proteção dos direitos da criança e do adolescente e das políticas de atenção voltadas a esse público (Marcílio, 2006; Rizzini & Rizzini, 2004), vislumbrar o grande avanço quanto à legislação que se vivencia na atualidade. De um tempo em que os jovens não eram reconhecidos como cidadãos e nem merecedores de direitos, mas sim alvo de políticas puramente assistenciais, filantrópicas e caritativas até a atualidade, em que esse público é foco de legislação específica que o considera sujeitos de direitos e em situação peculiar de desenvolvimento.

A Pastoral da Criança também participa de redes formais que unem instituições que trabalham pelas crianças, como a Rede Global das Religiões pela Criança (GNRC) e a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI). O direcionamento das ações sociais deste tipo de programa são condicionadas de maneira a beneficiar cidadãos com requisitos pré-estabelecidos. Com isso, cria-se uma política de desenvolvimento familiar agregado a partir da fiscalização pontual de assistentes sociais. Assim, configurou-se como um dispositivo que visou combater a pobreza e diminuir as desigualdades sociais a partir da redistribuição de renda. Com isso, esta política pública tinha por objetivo agir na melhoria progressiva de cada geração que fosse beneficiada, gerando benesses posteriores nas condições sociais de seus descendentes.

Além disso, a questão saiu da competência exclusiva dos juízes de menores, por meio da descentralização político-administrativa, restringindo o papel dos estados e ampliando as competências e responsabilidades dos municípios e da comunidade, além de contar com a participação da população por meio de suas organizações representativas (Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares). Apesar do avanço nos paradigmas legais e da elaboração de políticas públicas que têm por princípio a dignidade humana, isso não é suficiente para garantir a proteção das crianças e dos adolescentes, se os paradigmas compartilhados por quem faz a Rede não forem os mesmos. Mesmo que haja o discurso da proteção, se as práticas estiverem arraigadas sob a ótica repressiva, não se garante o direito. A partir dos dados, percebe-se que a Rede de proteção tem tido muitas dificuldades para ser uma ferramenta das políticas públicas no que tange à proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, e ajudar na construção da esfera pública como espaço da consolidação dessas políticas.

Nesta perspectiva, a frase “o estatuto assim é a nossa bíblia” (P3) exemplifica a concepção compartilhada entre os profissionais de que o ECA (1990) deve embasar as intervenções voltadas para a população infanto-juvenil em situação de violência, sendo estas sustentadas pela ótica do SGD. Neste sentido, as ações nos casos de violência requerem, sobretudo, a compressão por parte de atores do SGD acerca da rede de proteção voltada às crianças e aos adolescentes em situação de violência. Trabalhar em rede implica tanto mudanças na prática dos profissionais envolvidos nos casos de suspeita ou violação de direitos, como também investimentos dos gestores municipais em recursos e capacitações periódicas que visem a esta nova estratégia de trabalho.